quinta-feira, 20 de outubro de 2011

As bem- aventuranças


1. O Sermão da Montanha.
            O que se denomina Sermão da Montanha é um conjunto de ensinamentos de Jesus sobre diversos assuntos. Ele se encontra no Evangelho de Mateus nos capítulos 5 a 7 e no de Lucas no capitulo 6, 20-49.
            Analisando o Evangelho de Mateus, observa-se que, nos versículos 1 e 2 do capítulo 5, é narrado que Jesus, vendo as multidões, sobe à montanha, senta-se com os discípulos que se aproximam dele e abre a boca para ensiná-los.
            Aqui se observa a simplicidade do Mestre, sentando-se com os discípulos, não se colocando na posição de chefe, de autoridade, de pregador. Faz-se igual, animando com a sua presença toda a comunidade. Esta singela abertura de Jesus faz com que os discípulos se aproximem dele. Nós podemos nos assentar com Jesus, nos aproximar Dele que é manso e humilde de coração. Eis a primeira grande verdade do Sermão da Montanha.
            Ainda aqui é importante ver que Jesus abre a boca para ensiná-los. Ensina com simplicidade, porém com autoridade, com força. É o amor verdadeiro, aquele que diz não o que queremos ouvir, mas o que é necessário ser ouvido. Amar, na concepção agostiniana, é fazer o que deve ser feito e o Nosso Senhor fez isto no Sermão da Montanha, abrindo a boca e nos ensinando a ter vida e vida em plenitude.
            Em seu livro  sobre o Sermão da Montanha, Santo Agostinho nos diz que ele contém “todos os preceitos pelos quais é formada a vida cristã.”  Pode-se afirmar que o Sermão da Montanha é o decálogo do cristianismo. Como os dez mandamentos conduziram e conduzem o povo de Israel, os ensinamentos de Jesus na montanha conduzem nós cristãos no caminho da Verdade.
            O Sermão da Montanha possui várias partes como as bem-aventuranças, o sal da terra e a luz do mundo, o paralelo entre a lei antiga e a nova lei,  o mandamento do amor, a esmola, a oração, o Pai Nosso, as preocupações exageradas, o tesouro no céu, a porta estreita, os falsos e verdadeiros discípulos, enfim há uma verdadeira síntese de todos os preceitos da vida daquele que se converte à revolucionária mensagem de amor de Jesus.
            Aqui serão refletidos alguns aspectos das chamadas bem-aventuranças.

2. O que é ser bem aventurado.
            Em Mateus 5, 3-11, Jesus indica nove situações de bem aventuranças. A ideia de bem aventurado está ligada à felicidade, mas não a felicidade que o mundo dá, uma felicidade passageira, da balada, da bebida, do carro potente, da roupa nova,  mas a felicidade que vem do encontro verdadeiro, sincero, radical com Deus. Uma felicidade que chega devagar, sem muito alarde, mas que permanece. Uma felicidade que não depende de momentos felizes, pois a vida é feliz, apesar dos dias de aborrecimento, de raiva, de tristeza até. Uma felicidade natural como respirar...
            Assim, podemos dizer que bem aventurado é um cara feliz. Feliz porque encontrou o céu, o céu que está dentro de si mesmo, como nos ensina Agostinho quando nos exorta a entrar dentro de si mesmo para encontrar a verdade.
            Ser um cara feliz é o convite de Jesus para nós, jovens do Inquietude!

3. Feliz o que tem um coração puro e humilde.
            No versículo 3, o Senhor fala para a multidão que estava em volta dele no monte que bem aventurado é o que tem um coração de pobre e que dele é o Reino do céus.
            Ter um coração de pobre não significa não possuir bens, não desejar um bom emprego, não lutar por um salário digno, por uma casa, um carro, uma poupança, enfim não está Jesus condenando o trabalho humano e a acumulação de riqueza. Ter um coração de pobre é não se apegar exageradamente aos bens, aos objetos, sendo escravo do possuir.
            Santo Agostinho nos ensina que o bem, o objeto não é em si mau. Diz ele que “é evidente ser preciso não censurar o objeto do qual se usa mal, mas sim a pessoa que dele mal serviu.” (O livre-arbítrio). E completa: “quem se serve mal é aquele que se apega a tais bens de maneira a se embaraçar com eles, amando-os demasiadamente. Com efeito, submete-se àqueles mesmos bens que lhe deveriam ser submissos.” (idem)
            A lição do pai de nossa comunidade, o Inquietude, é clara: os bens não são bons ou maus, nós é que podemos fazer bom ou mau uso dos mesmos em nossa vida. Temos vários exemplos na história: o avião, utilizado para encurtar distâncias, foi e é utilizado nas guerras para matar inocentes; a ciência utilizada para a destruição como nas armas nucleares e químicas; a própria religião utilizada para escravizar, para manipular as pessoas, tornando-as cegas, fanáticas, intolerantes.
            Ter um coração de pobre é saber possuir as coisas e utilizá-las corretamente. Não ser possuído pelos objetos, mas sim possui-los. É como canta o Frejat na canção Amor pra recomeçar: “ Desejo!
                                   Que você ganhe dinheiro
                                   Pois é preciso viver também
                                   E que você diga a ele
                                   Pelo menos uma vez
                                   Quem é mesmo
                                   o dono de quem...”

             Ser verdadeiramente humilde e não fingir humildade que, na verdade, é soberba, como ensina Santo Agostinho.
            A promessa para os pobres de coração é o Reino dos céus. Ora, o Reino não é algo distante, ideal. O Reino começa no nosso coração.
             O pobre de Deus tem a serenidade interior tanto nos momentos em que está na bonança, na prosperidade, na riqueza, quanto nos momentos de adversidade, de desemprego, de falta de dinheiro, de perda. Na vitória ou na derrota, sabemos que temos em nós o Reino dos céus.
            Jesus diz também que feliz é o puro e que este verá a Deus (vs. 8). Muita gente liga esta pureza à sexualidade no pressuposto de ser esta impura, o que não é absolutamente verdadeiro. A sexualidade é um presente de Deus para o homem e serve como potente alavanca para a sua plena felicidade, desde que vivida harmoniosamente. A pureza do corpo é importantíssima sim. Somos templos do Espírito de Deus e devemos agir como tal para nos aproximarmos dignamente do Senhor.
            Mas a pureza que Jesus fala não se limita a isso. Eis a pregação do Padre Raniero Cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia: “Na verdade, a pureza de coração não indica, no pensamento de Cristo, uma virtude particular, mas uma qualidade que deve acompanhar todas as virtudes, a fim de que elas sejam de verdade virtudes e não, ao contrário, esplêndidos vícios. Seu contrário não é a impureza, mas a hipocrisia.” E completa: “O que Jesus entende por ‘pureza de coração’ se deduz claramente do contexto do Sermão da Montanha. Segundo o Evangelho, o que decide a pureza ou impureza de uma ação – seja esta a esmola, o jejum ou  a oração – é a intenção; isto é, se realizada para ser vistos pelos homens ou para agradar a Deus.” (“Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”, Primeira pregação da Quaresma).
            Ser puro é fazer as coisas sem fingimento, sem hipocrisia. É desejar agradar a Deus, é amar de verdade, é utilizar os dons, os carismas para a edificação da comunidade e não para o envaidecimento. O maior dom, o carisma superior é o amor (ICor 12, 31).
            Nós, do Inquietude, devemos ser puros na oração, na animação, na música, nas visitas aos necessitados, nas relações com os irmãos de comunidade e, principalmente, com a família.
            Quem é puro, quem é verdadeiro, quem vem para a luz, consegue ver a face de Deus. O evangelho de João nos exorta: “...todo aquele que faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que suas obras não sejam reprovadas. Mas aquele que pratica a verdade, vem para a luz. Torna-se assim claro que as suas obras são feitas em Deus.” (JO 3, 20-21).
            Puros e humildes podemos nos encontrar com Deus!

4. Feliz o que chora e que tem fome e sede de justiça.
            No versículo 4, Jesus ensina que bem aventurados os que choram, pois serão consolados.
            Como pode ser bem aventurado, ser feliz, ser bendito o que chora? Parece uma contradição. Mas não é absolutamente. Primeiro porque a presença de Deus na nossa vida não depende do nosso estado de ânimo. Estou feliz, alegre, contente vou ao Inquietude cantar, louvar, aprender. Estou triste, fico em casa amargurado...
            O Pai amoroso está de braços abertos tanto para o triste filho que sumiu no mundo, quanto para o filho fiel que ficou ao seu lado na parábola do Filho Pródigo. Esta a certeza da nossa fé. Ainda que se chore, tem-se a certeza da consolação, da presença amorosa do Pai, do filho, nosso amigo de caminhada, Jesus e do seu Santo Espírito a nos conduzir. A comunidade da Santíssima Trindade está sempre conosco.
            E muitas vezes choramos, nos irritamos, porque temos fome e sede de justiça. A nossa alma tem sede, o nosso corpo tem fome de justiça. Não acostumamos com a injustiça e nem podemos nos acostumar.
            A inquietude agostiniana nos leva a não nos conformar com coisas erradas e a sonhar juntos, em comunidade, que outro mundo é possível. E a promessa de Jesus para nós é de que nós seremos saciados, ou seja, de que o nosso trabalho na comunidade não é em vão, que estamos construindo um mundo melhor.
            Eis como canta Lulu Santos no rock Tempos Modernos:
            Eu vejo um novo começo de era
            De gente fina, elegante e sincera
            Com habilidade
            Pra dizer mais sim
            Do que não, não, não...
           
            Podemos lutar para mudar muita coisa em nossa volta. Algumas conseguiremos, outras talvez não. Mas não esqueçamos da oração de São Francisco de Assis:
           
            “Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado...
            Resignação para aceitar o que não pode ser mudado...
            E sabedoria para distinguir uma coisa da outra.”     

5. Feliz o manso, o misericordioso e o pacífico.
            Os mansos possuirão a terra. Os misericordiosos alcançarão misericórdia. Os pacíficos serão chamados de filhos de Deus (Mt 5, 5, 7 e 9).
            Jesus nos conclama a sermos mansos, misericordiosos e pacíficos e com isso teremos a terra e o céu. A terra no dia a dia e o céu na misericórdia do nosso Pai, pois seremos chamados filhos.
            O cuidado com o outro em todos os lugares; em casa, na escola, no trabalho, no Inquietude, no trânsito, no esporte, nas festas, no namoro, enfim em todos os momentos somos convocados a ser manso, pacíficos e tratar o próximo com misericórdia, com compaixão, com respeito. Os nossos gestos, as nossas palavras, a nossa conduta diária indica se estamos efetivamente vivendo esta bem aventurança.
            O próximo que são os pais, os irmãos, os amigos, os colegas, a (o) namorada (o), o diferente, que não comunga das suas ideias, convicções e até nos critica.
            Dia 04 de outubro foi dia de São Francisco de Assis, modelo de mansidão, de paz, de simplicidade, aliás modelo de bem-aventurado. Francisco de Assis nos diz que a cortesia é irmã da caridade, que apaga o ódio e fomenta o amor.
           
6. Feliz o perseguido por causa da justiça.
            Jesus na parte final das bem aventuranças exorta que o perseguido por causa da justiça e os caluniado é bem aventurado também. Para este a promessa é o Reino de Deus.
            Cumpre notar que o Mestre fala de perseguido por causa da justiça. Assim, temos sede e fome de justiça, não nos acostumamos com a injustiça e mesmo assim podemos ser perseguidos por conta deste nosso ideal. A mensagem é dura e faz parte da radicalidade cristã.
            O cristão verdadeiro é radical. Não no sentido de ser intransigente, intolerante, mas sim no sentido de ter raiz que nos firma no solo e não nos permite ficar mudando de posição ao sabor dos ventos. Somos árvores, embora possamos ser maleáveis, como o bambu, não podemos ficar saindo daqui e indo acolá. Devemos permanecer fixos na nossa opção de vida e vida em plenitude, ainda que isto nos custe algumas criticas injustas.
            Bem aventurado o perseguido e caluniado por causa da justiça. É por uma boa causa. Não é bem aventurado quem é perseguido por que fez algo errado, porque praticou a injustiça. Aí ele está respondendo apenas pelas conseqüências dos seus atos. Simples assim.
            Não se deve utilizar estes versículos para justificar o injustificável e nem para se ter uma posição de coitadinho. Quando fazemos algo bom, somos dignos de elogio; quando algo ruim advém de nós, somos objeto de perseguição. Mas pode acontecer de estarmos fazendo o bem e ainda assim ser perseguido. O Senhor nos chama a não termos medo e mantermos a nossa autenticidade de jovens santos.

7. Alegrai-vos.
            No final, o Senhor nos chama a alegrar, a exultar porque, ao sermos bem aventurados, teremos uma grande recompensa: o céu, que é uma vida plena em paz, alegria e amor!
           
            Leonardo Buissa