segunda-feira, 20 de junho de 2011

Os dicípulos de Emaús


Os discípulos estavam olhando só para a cruz e não perceberam a ressurreição.

  1. Localização.

A passagem a ser refletida se encontra no evangelho de São Lucas, capítulo 24, versículos 13-35. É uma das mais interessantes e belas passagens da Bíblia ao narrar o encontro de dois discípulos que iam tristes pelo caminho com Jesus, ressuscitado, que se revela ao explicar as escrituras e, principalmente, ao partir o pão.

O encontro de Jesus com os discípulos, a caminhada, a explicação das passagens da escritura e a revelação final ao partir o pão possuem estreita ligação com a nossa vida em comunidade, onde encontramos Jesus e nos fortalecemos na caminhada com o estudo da Palavra, com a comunhão eucarística e a comunhão de vida, fé e caminhada – o partilhar o pão da vida – com os nossos irmãos. É uma experiência que temos vivido e que precisamos viver cada vez mais dentro do Inquietude.

Convém esclarecer que no terceiro domingo do Tempo Pascal do Ano A da Liturgia da Igreja, esta passagem é meditada na missa, como ocorreu neste ano de 2011, no dia 08 de maio.

Vale ainda lembrar que a cada ano, o cristão é chamado a percorrer o “Santíssimo Tríduo de Cristo crucificado, morto e ressuscitado”, conforme nos ensina Santo Agostinho. No terceiro dia, a Igreja revive então a ressurreição de Cristo. Como exorta o Santo Papa Bento XVI: “Toda a liturgia do tempo pascal canta a certeza e a alegria da ressurreição de Cristo.” (Audiência Geral de 26.03.2008). Eis, pois, a força e a beleza do tempo pascal! Devemos viver em plenitude a presença do Cristo vivo, ressuscitado, dentro da nossa comunidade particular, o Grupo de Jovens Inquietude, da nossa querida Paróquia, da nossa Diocese, em estreita comunhão com a universalidade da Igreja.

Além disso, objetivando melhor se situar, é interessante observar que no primeiro domingo do tempo pascal, Maria Madalena vai ao túmulo e vê que a pedra tinha sido retirada. Chama Pedro e João que vêem as faixas de linho no chão e o pano que tinha coberto a cabeça de Jesus enrolado num lugar à parte. Eles viram e creram, porém ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos (Jo 20, 1-9).

No segundo domingo, o Senhor aparece aos discípulos. Tomé não estava presente e para crer precisou tocar nas chagas, precisou como diz o ditado popular “ver para crer”. Quando viu Jesus, Tomé exclamou a frase que muitos cristãos dizem ao ver Jesus na Eucaristia: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo, 20, 19-31).

Quando a dúvida, a desconfiança, o desânimo nos atingir, possamos lembrar de Tomé e igualmente expressar “Meu Senhor e meu Deus”, deixando-nos envolver pela presença viva de Jesus.

No terceiro domingo, Jesus caminha com os discípulos, revela para eles as escrituras e se revela ao partir o pão. O encontro de Emaús nos indica, como se abordará, que o Senhor se revela na mesa da Palavra e na Mesa da Eucaristia, como sempre ensinou Santo Agostinho.

Nós, jovens do Inquietude, temos diariamente um encontro marcado com Jesus, vivo, presente na sua Palavra e no Pão que podemos partilhar na missa e que nos conduzem a realizar a partilha de vida com os nossos irmãos, prioritariamente com os mais necessitados.

Apresentada esta noção introdutória, cumpre analisar alguns relevantes aspectos do maravilhoso encontro de Jesus, vivo, ressuscitado, com os discípulos que caminhavam tristes, moribundos, rumo ao povoado de Emaús. Vamos então à instigante viagem.

  1. Primeira parte: Lucas 24, 13-24.

Nestes versículos, observa-se que os discípulos iam para um povoado chamado Emaús, que distava onze quilômetros de Jerusalém. Os dois conversavam sobre tudo o que tinha acontecido e estavam muito tristes, Jesus se aproximou e começou a caminhar com eles.

Jesus se aproxima de nós, de maneira suave, muitas vezes sem nos apercebermos da sua presença e caminha conosco, está conosco em todos os momentos da vida. A tristeza, a murmuração, o desânimo não nos deixam perceber a realidade de paz, alegria e amor que é a vida com Jesus.

A vida é uma longa caminhada. Desejemos, pois, ardentemente a presença do Ressuscitado a nos acompanhar pelo caminho!

A palavra diz que os discípulos estavam como que cegos e não o reconheceram (vs.16). Por vezes somos como os discípulos de Emaús, cegos, insensíveis à presença do Senhor. Procuramos a felicidade em diversos lugares, em baladas, bebidas, amores, sucessos, quando a fonte da felicidade se encontra dentro do nosso coração e ele estará inquieto enquanto não descansar no Senhor (Santo Agostinho).

É como diz o poeta gaúcho Mário Quintana:

“Da Felicidade.

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,

Procede tal e qual o avozinho infeliz;

Em vão, por toda parte, os óculos procura,

Tendo-os na ponta do nariz!”

Jesus lhes pergunta então: “O que ides conversando pelo caminho?” É óbvio que ele já sabia, assim como já sabia o que o cego Bartimeu queria quando lhe perguntou “o que queres” antes de curá-lo, mas Jesus que ouvir a nossa estória, o nosso lamento, a nossa versão dos acontecimentos da vida. É bom que falemos para Ele tudo o que se passa no nosso coração.

Os discípulos relatam então a paixão e morte de Cristo e deixam bem claro o seu desânimo, a sua descrença quando dizem: “Nós esperávamos que ele fosse libertar Israel, mas, apesar de tudo isso, já faz três dias que todas essas coisas aconteceram!” (vs.21). Eles acreditavam num messias libertador, vingador, vencedor e ainda não entendiam a vitória de Jesus na cruz: a vitória do servo, do humilde, do Jesus Abandonado, na famosa alusão feita por Chiara Lubich e pelo Movimento Folcolares sobre a crucificação.

Nós, por vezes, desejamos também um salvador que resolva todos os nossos problemas, que nos dê dinheiro, ascensão social, poder, saúde, paz, amor, enfim um deus mágico que num estalar de dedos modifique a nossa realidade. Mas Deus tem um plano de amor para cada um de nós e que por vezes destoa do nosso planejamento pessoal. Saibamos, pois, viver a oração do Pai Nosso, em que dizemos “seja feita a Vossa Vontade, assim na terra como no céu.”. A vontade de Deus é que sejamos felizes e a felicidade, por vezes, passa longe dos nossos desejos...

A incredulidade dos discípulos era tanta que apesar do testemunho das mulheres que disseram ter visto anjos que afirmaram que Jesus estava vivo e de outros discípulos que foram ao túmulo e encontraram as coisas como as mulheres tinham dito, eles só chegaram a uma conclusão: “A ele, porém, ninguém viu.” (VS.24)

No Inquietude, o Senhor já apareceu para muitos, num contato íntimo e transformador, mas, vez ou outra, o testemunho dos outros não nos converte e desejamos ver e ver cada vez mais algo extraordinário acontecer no grupo. Na verdade, Jesus é simples, caminha com os discípulos e aparece no ordinário, no cotidiano, na conversa e na partilha, como veremos a seguir. No Grupo igualmente, Jesus aparece em cada reunião, em cada atividade, no irmão que sorri, canta e se alegra, como também naquele que chora e que sofre. Esta a beleza de se viver em comunidade!

No Sermão 235, Santo Agostinho tece os seguintes comentários sobre este fantástico encontro de Jesus vivo com os discípulos cegos. Cegos, como diz uma famosa música, “de uma cegueira espiritual.” Eis como nos ensina Agostinho, com sua inteligência impar e sua fé inabalável:

“Caminhava com eles”

“Depois da sua ressurreição, o Senhor Jesus encontrou no caminho dois dos seus discípulos que falavam entre si do que tinha acontecido e disse-lhes: ‘De que faláveis no caminho que vos torna tão tristes?’

Esta passagem do Evangelho dá-nos uma grande lição, se a soubermos entender. Jesus aparece, mostra-se aos olhos dos discípulos e não é reconhecido.O Mestre acompanha-os pelo caminho. Ele próprio é o Caminho; mas eles ainda não estão no verdadeiro Caminho. Quando Jesus os encontra, eles tinham perdido o Caminho. Enquanto estava com eles, antes da sua paixão, Jesus tinha-lhes anunciado tudo; mas a sua morte tinha-lhes feito perder a memória...

‘Esperávamos, diziam, que Ele libertasse Israel.’Como é, ó discípulos, esperáveis e agora já não esperais? Mas Cristo está vivo e a vossa esperança está morta! Sim, Cristo está vivo. Mas o Cristo vivo encontrou mortos os corações dos seus discípulos. Aparece aos seus olhos e eles não o percebem; mostra-se e permanece-lhes escondido. Se não se mostrasse, como é que os discípulos poderiam ouvir a sua pergunta e responder-lhe? Caminha com eles e parece segui-los mas é Ele quem os conduz. Vêem-nos mas não o reconhecem, ‘porque os seus olhos, diz o texto, estavam impedidos de O reconhecer’...A ausência do Senhor não é uma ausência. Crê somente e Aquele que não vês estará contigo.”

  1. Segunda parte: Lucas 24, 25-35.

Esta segunda parte se inicia com uma bronca de Jesus aos incrédulos discípulos. Diz o Mestre e Senhor: “Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram!”(vs.25). Em bom português, o Senhor os chama de burros. O burro é aquele animal que olha para frente e não consegue perceber o que está em volta.

Os discípulos estavam olhando só para a cruz e não perceberam a ressurreição. Nós, muitas vezes, só vemos o nosso problema, estamos muito preocupados com o próprio umbigo e nos esquecemos de olhar a realidade ao lado e vislumbrar que, apesar de um caminho estar com a passagem fechada, existem outros caminhos a serem percorridos, lugares ainda mais bonitos a serem visitados, principalmente a alma do homem.

É como nos ensina nosso pai Agostinho: “As pessoas viajam para admirar a altura das montanhas, as imensas ondas dos mares, o longo percurso dos rios, o vasto domínio do oceano, o movimento circular das estrelas, e no entanto elas passam por si mesmas sem se admirarem.” Os discípulos de Emaús estavam tão absortos com a sua própria melancolia que não conseguiram admirar Jesus que caminhava com eles.

Pois bem, depois de chamar a atenção dos discípulos, Jesus explica para eles todas as passagens da Escritura, começando por Moisés, passando pelos Profetas, indicando que tudo falava a respeito Dele.

O contato com a Palavra de Deus durante aquele caminhar dos discípulos vai mudar para sempre a vida deles. A nossa experiência com a Palavra e o correto entendimento vai abrir os nossos olhos para podermos enxergar a presença verdadeira do Cristo Ressuscitado! Esta presença, como aconteceu aos discípulos de Emaús, muda para sempre o nosso viver!

Então, chegando perto do povoado, Jesus fez de conta que ia adiante. Aí os discípulos pediram: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando.” Como exortou o querido Padre José Florêncio na sua homilia no sétimo dia da Novena de Nossa Senhora de Fátima (11.05.2011), este também deve ser o nosso clamor: “Fica conosco, Senhor!”

Fica comigo, fica com a minha família, fica com os meus estudos, fica com o meu namoro, fica com o Inquietude. Fica conosco, Senhor!

Vale notar que os discípulos pediram para Ele ficar com eles porque já era tarde e a noite vinha chegando. Há duas facetas desta parte que não podemos perder de vista. A primeira que é a hospitalidade dos discípulos, eles estavam realmente preocupados com o destino do viajante. Este aspecto nos ensina a nos abrir ao outro, uma vez que Jesus se revela nele. Acolher o outro é acolher Jesus que habita no outro: estava com fome e me deste de comer, era peregrino e me acolheste (Mt 25, 35-40). O maior mandamento é o amor.

Toda a Palavra de Deus nos revela o amor. Eis como ensina o Padre Raniero Cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia, sobre esta passagem do terceiro domingo do tempo pascal:“Sobretudo lhe revela o amor de Deus. Se todas as Bíblias do mundo, dizia Santo Agostinho, por algum cataclismo, fossem destruídas e sobrasse uma só cópia, e desta já não fosse legível mais que uma página, e de tal página só uma linha, se esta linha é a primeira Carta de João, onde está escrito: ‘Deus é amor’, toda a Bíblia teria sido salva, porque ela se resume a isso.” (Roma, sexta-feira, 04 de abril de 2008).

O compromisso dos discípulos com um viajante que eles acabavam de conhecer é o mesmo que devemos ter por cada componente do Grupo Inquietude; cada um é muito importante para Deus, porque Deus é amor. Acolher o outro é a tarefa mais importante que temos. Às vezes, ficamos preocupados com a música, com o ensino, com os avisos, com as camisetas e esquecemos o mais importante: o outro. Fiquemos, pois, com a melhor parte, como Maria, irmã de Marta e de Lázaro, sentada aos pés de Jesus.

A outra faceta que me referi anteriormente é a de que, na verdade, já ia ficando noite e os discípulos, mesmo sem terem plena consciência disso, sabiam que escureceria e quando escurece do que mais precisamos? Luz. E quem é a luz que encontramos na Vigília Pascal, no Sábado Santo? Exatamente aquele viajante anônimo, fonte de toda a luz e que dissipa todos os temores, toda a escuridão. Os discípulos apenas intuíram uma realidade: com aquele viajante por perto as trevas da noite não prevaleceriam, não haveria motivo para o medo!

Jesus, com sempre, atendeu ao clamor sincero dos discípulos. Ficou com eles, como fica conosco, hoje e sempre!

Não só ficou com eles, como se sentou à mesa, tomou o pão, abençoou-o e partiu-o e lhes distribuía (vs. 30). E “nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus.Jesus, porém, desapareceu da frente deles” (vs.31). Foi ao partir o pão que Jesus se deu a conhecer, canta feliz a comunidade durante as missas no tempo pascal.

Na mesa da Comunhão, Jesus se revela plenamente. Esta é a grande riqueza do católico.

Durante a noite, a luz apareceu! A participação na comunhão eucarística traz luz para cada um de nós e para a nossa comunidade, o Inquietude.

Como foi falado anteriormente, Jesus ficou com os discípulos durante a noite para lhes dar luz e a eucaristia é esta luz. O Beato João Paulo II na Carta Apostólica para o Ano da Eucaristia “Mane nobiscum Domine” nos fala que: “A narração da aparição de Jesus ressuscitado aos dois discípulos de Emaús ajuda-nos a pôr em destaque um primeiro aspecto do mistério eucarístico, que deve estar sempre presente na devoção do povo de Deus: a Eucaristia, mistério de luz!”

E completa a Carta do amado Papa: “A Eucaristia é luz antes de mais nada porque, em cada Missa, a liturgia da Palavra de Deus precede a liturgia Eucarística, na unidade das duas ‘mesas’ – a da Palavra e a do Pão ... Na narração dos discípulos de Emaús, o próprio Cristo intervém para mostrar, ‘começando por Moisés e seguindo por todos os profetas’, como ‘todas as Escrituras’ conduzem ao mistério da sua pessoa (cf. Lc 24, 27).”

Os olhos dos discípulos se abrem. A palavra de Deus e a comunhão têm o poder de abrir os nossos olhos. E não somente isso, mas também fazer arder o nosso coração. “Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?”(vs.32)

Nosso coração jovem, inquieto, deve arder. No final de cada reunião, devemos parar como os discípulos e sentir a presença quente, ardente, amorosa de Jesus em nosso coração.

Por fim, eles se levantaram, voltaram a Jerusalém e confirmaram: “Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” (vs. 34). E contaram tudo o que tinha acontecido no caminho e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão (vs. 35).

Esta a missão: depois da experiência única do contato íntimo com este “viajante anônimo”, com Jesus vivo, somos impelidos a confirmar a nossa fé, a contar para os outros, a partilhar e então a cada dia o Senhor fará juntar mais pessoas à nossa comunidade...

Encerrando, vale transcrever parte do Sermão 235 de Santo Agostinho, tão atual e direto para o Grupo Inquietude, uma comunidade agostiniana de fé e vida. Diz o Pai da nossa comunidade: “Quando o Senhor começou a falar com eles, os discípulos ainda não tinham fé. Ele ainda não acreditavam na sua ressurreição; nem esperavam sequer que ele pudesse ressuscitar. Tinham perdido a fé; tinham perdido a esperança. Eram mortos que caminhavam com um vivo; caminhavam, mortos com a vida. A vida caminhava com eles, mas em seus corações a vida ainda não tinha sido renovada.”

E o coração inquieto de Agostinho nos endereça a seguinte pergunta: “E tu, desejas a vida? Imita os discípulos, e reconhecerás o Senhor. Eles ofereceram a hospitalidade; o Senhor parecia decidido a continuar o seu caminho, mas eles retiveram-no... Tu também, retém o estrangeiro se queres reconhecer o teu Salvador... Aprende onde procurar o Senhor, onde possui-lo, onde reconhecê-lo: partilhando o pão com ele.”

Desejemos, pois, a vida, a luz, a presença do “viajante anônimo”... Fica conosco, Senhor!

Goiânia, maio de 2011

Leonardo Buissa, do Inquietude.

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