domingo, 4 de setembro de 2011

Breves considerações sobre a inquietude agostiniana.


             
1.  Agostinho, alma inquieta em busca da verdade.
            Santo Agostinho nasceu em Tagaste, cidade romana no norte da África, em 354 e morreu em Hipona em 28 de Agosto de 430. Como os dias dos santos são comemorados na data da sua partida para a cidade de Deus, usando uma expressão agostiniana, no dia 28 de agosto, comemora-se o dia de Santo Agostinho.
            A sua mãe é Mônica, cristã fervorosa, cuja festa é no dia 27 de agosto e seu pai Patrício, um Oficial pagão que morreu quando Agostinho tinha dezoito anos, em 372.
            Neste breve trabalho, não se abordará a história em si de Agostinho, mas sim os caminhos que percorreu na sua formação intelectual, humana e, depois, religiosa e algumas de suas ideias e sua atualidade para a nossa vida em comunidade.
A sua obra é tão importante que ouso dizer que muita coisa que a gente pensa, fala, escreve e lê tem fundamento em Agostinho. Quase todos os  documentos da Igreja tem fundamento em Agostinho. Martim Lutero que deu início ao protestantismo era o que? Monge ou frade agostiniano. Assim, muitas das coisas que os nossos irmãos protestantes acreditam vêm da filosofia agostiniana.
             E isto não somente dentro do cristianismo. Muitos estudiosos endereçam a sua pesquisa para Agostinho. Eis um exemplo: a filósofa Hannah Arendt nascida na Alemanha em 1906, de origem judaica, estudou, entre outras coisas, a teologia protestante de Rudolf Bultmann, militou em organizações judaicas, foi perseguida pelo nazismo, ficou dez anos como apátrida – perdeu a nacionalidade alemã e escreveu sua tese de doutorado sobre o Conceito de amor em Santo Agostinho.
            A vida de Agostinho é ligada à ideia de conversão. Conversão no sentido de mudança. Na obra As Conversões de Santo Agostinho, Gabriel González del Estal apresenta esta realidade, mostrando um Agostinho que andou por vários caminhos antes de se encontrar com a Verdade em Cristo.
            Um gênio inquieto em busca da verdade, homem do seu tempo, versado nas artes clássicas, com uma retórica de grande habilidade, Agostinho andou por diversos caminhos até a sua conversão, no sentido paulino, de volta a Deus.
            Inicialmente, buscou com paixão a sabedoria logo após ter lido a obra Hortensio, de Cícero. Nas Confissões, Agostinho conta que a leitura de tal livro, que contém uma exortação da sabedoria, mudou o alvo de suas afeições, passando a ambicionar, com incrível ardor do coração, a sabedoria imortal.
            Interessante notar como um livro pagão, sem qualquer aspiração de ser religioso, marcou a vida de Agostinho, conduzindo-o a buscar futuramente a verdade. No mundo de hoje, temos acesso a muita informação e devemos utilizar isto a nosso favor e não contra. As nossas famílias podem usar da TV, da internet, de livros, revistas, filmes para, a partir deles, suscitar valores.
            A ignorância é muito mais perigosa do que o conhecimento. A ignorância é a mãe da intolerância, da discriminação e do ódio. Lembremos a frase atribuída a Santo Tomás de Aquino e que é bastante atual: “Temo o homem de um livro só.”
            Na busca pela sabedoria imortal, pela verdade plena, Santo Agostinho adere ao Maniqueísmo, uma doutrina pregada por um pregador, filósofo e profeta persa chamado Manes, que se proclamava como sendo o Santo Paráclito que o Pai havia enviado. Manes pregou uma religião universal e que pretendia ser superior à de Cristo, Buda ou Zoroastro. Tal seita ensinava um dualismo metafísico, explicando que havia dois princípios eternos – o Mal e o Bem. O mal e o bem então vinham de fora e não de dentro do homem. Agostinho ficou nesta seita dos 19 aos 28 anos.
            Depois, Agostinho começa a se interessar pelos livros neoplatônicos. Foi esta experiência que levou Agostinho a buscar Deus no interior de si mesmo. A famosa expressão “Conhece-te a ti mesmo”, bastante utilizada na espiritualidade agostiniana, é um aforismo grego, escrita nos pórticos do Oráculo de Delfos, sendo a pedra angular da filosofia de Sócrates, muito utilizada nos relatos de Platão.
            Agostinho então se aproximava mais e mais da sua derradeira conversão; a conversão ao cristianismo. Nesta etapa, importantíssimas são as presenças de Ambrósio, Bispo de Milão e de Mônica, sua fervorosa mãe. Santo Agostinho ouvia as pregações de Ambrósio, mais por causa da eloqüência, da retórica do Bispo. Todavia, como ele mesmo diz nas Confissões “enquanto abria o coração para receber as palavras eloqüentes, entravam também de mistura, pouco a pouco, as verdades que ele pregava.”
            Mas Agostinho ainda tinha dificuldades de se encontrar totalmente com Deus, de se abandonar a Ele. O que o impedia? Os desejos de honra, fama e a necessidade de ter uma mulher.
            Acontece então o famoso acontecimento narrado no capítulo 8 das Confissões. Agostinho estava conversando com seu amigo Alípio em casa e sai para o horto da casa, para debaixo de uma figueira e lá ouve uma voz de criança, não se sabe se de menino ou de menina, que cantava: “Toma e lê; toma e lê.” Ele retorna ao átrio da casa, onde estava sentado Alípio, abre o livro da carta de São Paulo onde está escrito: “Não caminheis em glutonarias e embriaguez, nem em desonestidades e dissoluções, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne com seus apetites.” (Rom 13, 13). Era outono de 386.
            Na Páscoa de 387 recebe, junto com outros companheiros, o batismo. Retorna então para o norte da África, para a sua casa e ali fica por quase três anos em oração, jejum, boas obras, ensinando com a sua palavra e escritos.
            Em 391 é aclamado sacerdote e em 395 os cristãos de Hipona apresentam-no ao episcopado.
            Observa-se então que a filosofia agostiniana é uma constante e intensa busca da verdade. A inquietude agostiniana é, pois, a busca desta verdade, que só acabará quando a encontrarmos: “Fizeste-nos, Senhor, para Ti e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em ti “ (Confissões).
           
2. O amor de Deus e a Vocação dos Eleitos.

            Santo Agostinho questiona se Deus nos ama porque nós O amamos, ou não é, ao contrário, que nós O amamos porque Ele nos ama. Eis o comentário de Agostinho: “Responde-nos na sua carta o próprio evangelista: nós amamos a Deus diz ele porque Ele nos amou primeiro... Amar a Deus é certamente um dom de Deus. É Ele que, amando-nos quando nós não O amávamos, nos concedeu amá-lo. Fomos amados quando não éramos de modo algum amáveis.”(Comentário ao Evangelho
de João, 102, 5).

            Sobre a vocação dos eleitos, diz Agostinho: “Procuremos entender a vocação própria dos eleitos, os quais não são eleitos porque creram, mas são eleitos para que cheguem a crer. O próprio Senhor revela a existência desta classe de vocação ao dizer: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi (Jô 15:16). Pois, se fossem eleitos porque creram, tê-lo-iam escolhido antes ao crer nele e assim merecem ser eleitos. Evita, porém, esta interpretação que diz: Não fostes vós que me escolhestes.” (a Graça II).


3. A parábola do joio e do trigo na visão de Santo Agostinho.
           
            A parábola do trigo e do joio.
           
            Mateus 13, 24-30: “Jesus propôs-lhes outra parábola: O Reino dos céus é semelhante a um homem que tinha semeado a boa semente em seu campo. Na hora, porém, que os homens repousavam, veio o inimigo, semeou o joio no meio do trigo e partiu. O trigo cresceu e deu fruto, mas apareceu também o joio. Os servidores do pai de família vieram e disseram-lhe: - Queres que vamos e o arranquemos? – Não, disse ele: arrancando o joio, arriscais a tirar também o trigo. Deixai-vos crescer juntos até a colheita. No tempo da colheita, direi aos ceifadores: arrancai primeiro o joio e atai-o em feixes para o queimar. Recolhei depois o trigo ao meu celeiro.”(Bíblia da Ave-Maria).           

            Santo Agostinho fez uma interpretação desta parábola que teve o mérito de evitar o sectarismo, o preconceito e ressaltar a tolerância. Por isso, a sua concepção é bem atual a fim de se evitar o fanatismo, a intolerância religiosa.
           
            Fanatismo não se mede pela sua freqüência à Igreja e sim pela intolerância com o diferente. Fanático é aquele que acha que só ele está salvo, só ele tem razão, só ele e seu grupo são dignos do amor de Deus. É uma forma de soberba religiosa! Cuidado com este vício tão presente nos nossos grupos e que às vezes se veste de uma falsa humildade. Eis a severidade de Agostinho neste tema: “Simular humildade é ser soberbo.”        
           
            E o que isso tem a ver com a presente parábola? Eis o ensinamento do Frei Raniero Cantalamessa, Pregador do Vaticano: “Esta parábola de Jesus, na Antiguidade, foi objeto de uma memorável disputa que é muito importante levar em consideração também hoje. Havia espíritos sectários, donatistas, que resolviam a questão de maneira simplista: por um lado, está a Igreja (sua igreja!), constituída somente por pessoas perfeitas; por outro, o mundo, repleto de filhos do maligno, sem esperança de salvação.A estes se opôs Santo Agostinho: o campo, explicava ele, certamente é o mundo, mas também na Igreja, lugar em que vivem juntos santos e pecadores e em que existe lugar para crescer e converter-se. ‘Os maus – dizia ele – estão no mundo para converter-se, ou para que por meio deles os bons exerçam a paciência.’”(http://www.cantamalessa.org).
           
            Assim, Santo Agostinho nos ensina que há trigo e joio mesmo dentro da própria Igreja e que não devemos imaginar que só por sermos católicos estamos salvos ou que só pelo outro não comungar da nossa fé ele já está condenado. Esta visão sectária não se concilia com a acolhida, o amor, a tolerância, inerentes ao cristianismo.
           
            Aliás, dentro do seio da própria Igreja, da comunidade, não se deve fazer uma separação de forma a se imaginar que o nosso grupo é melhor do que outro, que este movimento é superior ao outro, mais devoto, mais inteligente, mais capaz. Nada disso, somos diferentes, porém caminhando juntos no mesmo rumo. A forma de andar é diferente, o ritmo é distinto, mas o caminho é um só, endereçado ao mesmo destino, o Reino dos Céus.


4. O amor em Santo Agostinho.

Santo Agostinho em suas Confissões nos diz que ele gostava muito de viver, muito dos amores, das alegrias, da felicidade da vida. Só que por muitas vezes estes amores estavam desordenados, bagunçados. Confessa: “Que coisa me deleitava senão amar e ser amado?” Eis a confissão do jovem Agostinho que andou por vários caminhos, com a sua conhecida inquietude em busca da verdade e que, por muitas vezes, como nós, andou por caminhos tortuosos, desordenados...
No livro a Cidade de Deus, Agostinho apresenta a seguinte comparação: “Dois amores erigiram duas cidades, Babilônia e Jerusalém: aquela é o amor de si até ao desprezo de Deus; esta é o amor de Deus até ao desprezo de si.”
            O amor é capaz de criar, de fazer nascer. A própria vida é um ato de amor. Mas estamos em constante luta entre as duas cidades, a do céu e a da terra. Qual é a minha opção? Desejo fazer do meu coração uma cidade eterna, a Jerusalém celeste, com ruas de ouro e mar de cristal?
            Guardem para sempre esta máxima de Santo Agostinho: “Ama e faze o que quiseres.”
            Oba, agora posso, em nome do amor, fazer o que me der na “telha”. Não é bem assim não!
            Ama e faz o que quiseres é uma frase que dá sentido ao amor ordenado, ao amor verdadeiro, uma vez que quem ama mesmo ama o certo, o verdadeiro, o belo, o justo. Santo Agostinho não está dando carta branca para amar as coisas que nos tiram do caminho, ou seja, o pecado. Pecar é errar o alvo, é perder o caminho, só isso – ou melhor, tudo isso!
            Esta frase ama e faz e o que quiseres está no Comentário à Primeira Carta de João e ela completa é assim: “Uma vez por todas, foi-te dado somente um breve mandamento: Ama e faze o que quiseres. Se te calas, cala-te movido pelo amor; se falas em tom alto, fala por amor; se corriges, corrige por amor; se perdoas, perdoa por amor. Tem no fundo do coração a raiz do amor; dessa raiz não pode sair senão o bem!”
            Assim, quem ama não deseja o mal, quer fazer o bem. O amor dá vontade de fazer, fazer coisas, fazer o bem. A mãe ama o filho cuidando dele. Quem ama, zela, cuida.
            Agostinho nas Confissões fala também do peso do amor.  Eis como se expressa: “O corpo, devido ao peso, tende para o lugar que lhe é próprio , porque o peso não tendo só para baixo, mas também para o lugar que lhe é próprio. Assim o fogo encaminha-se para cima, e a pedra para baixo. Movem-se segundo o seu peso. Dirigem-se para o lugar que lhes compete. O azeite derramado sobre a água aflora à superfície; a água vertida sobre o azeite submerge-se para o lugar que lhes compete. As coisas que não estão no próprio lugar agitam-se, mas quando o encontram, ordenam-se e repousam. O amor é o meu peso. Para qualquer parte que vá, é ele quem me leva.”
            O amor deve ser o nosso peso. O meu peso como filho, com pais, como estudante, como trabalhador,  como amigo, como participante da Paróquia Nossa Senhora de Fátima deve ser o amor. É ele quem deve nos conduzir nas minhas decisões.


5. A vida em comunidade.
            “O motivo principal pelo qual reuniste em Comunidade é este: viver em casa em perfeito acordo, não tendo senão uma só alma e um só coração voltados para Deus. E não chamais nada de próprio, mas tudo entre vós seja comum.” (Santo Agostinho)
            Esta vida em comunidade, tão propalada e tão vivida por Agostinho, deve ser o que nos conduz nos grupos de casais ou de jovens, em profunda ligação com a Paróquia, com a Arquidiocese e com a Igreja universal. Fazemos parte de uma só comunidade, com uma só alma e um só coração...

6. Considerações finais.
            Neste singelo texto, almejou-se mostrar a inquietude de Santo Agostinho, a sua incessante busca pela Verdade, os diversos caminhos que percorreu o pai da nossa comunidade.
            Estes diversos caminhos, alguns até equivocados, contribuíram de alguma forma para a construção desta personalidade histórica, do filósofo, do professor, do doutor e também do santo, do servo, daquele que submete voluntariamente ao Senhor.
            A riqueza dos seus pensamentos e a sinceridade dos seus sentimentos nos são transmitidos por lições que possuem, como visto acima, uma extraordinária atualidade.
            A nossa alma também está inquieta. Desejamos ardentemente a paz que advém da experiência com o Sagrado e por isso com o peito estufado e a mente aberta podemos clamar:
             “Fizeste-nos para Vós Senhor e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansar em Vós.”

                                               Leonardo Buissa,  em agosto de 2011.

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