“Fizeste-nos, Senhor, para vós e nosso coração está inquieto, enquanto não descansar em Vós.” (Santo Agostinho).
Mês passado completei quarenta e três anos de idade. Casado há dezoito com uma bela mulher, inteligente e extremamente sensata, com a qual tenho o prazer de conviver desde que iniciamos o namoro em 1987, tenho três lindos filhos; Gabriel, vivendo com o entusiasmo próprio dos quinze anos; Maria Clara, suave, na essência, experimentando os sabores – hora doce, hora azedo – do início da puberdade de seus doze anos e Matheus, com os seus nove anos de pura traquinagem e alegria!
Para abrigar esta família, construímos há dois anos e meio um aconchegante sobrado cor de neblina, com janelinhas de madeira branca, portinha vermelha, um banco na frente, perfeito para namorar, e o cerrado, o meu amado cerrado, ao fundo. Acordo, flerto com uma árvore retorcida cujos galhos avançam por sobre a cerca de bambu, ao som da passarada fazendo arruaça no amanhecer sertanejo de Goiás.
A casa para ter vida precisa de gente e para ter vida em plenitude, como nos promete o Mestre, necessita muita gente! Nos finais de semana, amigos dos meninos invadem os quartos, a cozinha, o jardim, a piscina, as salas, numa agradável mistura de vozes, risos, pratos e copos sujos, roupas de cama, colchões, travesseiros e milhares de chinelos abandonados pela casa. Alegre e saudável bagunça!
Quando eu tinha vinte e três anos me formei em Direito pela Universidade Federal de Goiás e passei primeiro no concurso público para servidor de nível superior do Tribunal Regional de Trabalho e, logo em seguida, para o cargo de Juiz de Direito Substituto do Estado de Goiás. Mais três anos, fui aprovado para Juiz Federal e, pouco depois, para Professor da Faculdade de Direito da UFG. Comecei também a lecionar em cursos preparatórios e cursos de especialização, escrevendo diversos textos técnicos na área do Direito.
Nestes vinte anos não há como negar que a vida me tem sido generosa. Tal generosidade supera em muito o meu mérito, como também a minha pequena capacidade de ser grato.
A conclusão que se pode extrair deste breve relato é que eu estou com a vida ganha! Exatamente, foi isso que, um dia, um aluno me disse: - professor, o senhor já está com a vida ganha.
A minha resposta, entretanto, foi direta, irrefletida num primeiro momento, mas expressava algo que sempre acreditei, ainda que em certos momentos estivesse escondido no quarto mais escuro de minha alma: - Vida ganha é a ante-sala da morte!
A verdade é que o meu inquieto coração teima em pulsar com força e se nega a parar; inquietar-se é viver, parar é morrer!
Por isso, fizemos, eu e a vida, uma parceria. Eu desejei ardentemente abandonar algumas coisas que me pesavam, como Francisco de Assis abandonou a casa paterna, as posses e, inclusive, as roupas e recomeçar sonhos e atividades outrora interrompidas. E a vida me facilitou este desejar, fechando algumas portas, abrindo outras, enfim propiciando oportunidades para sair da inércia e me movimentar, ainda que, inicialmente, meio sem rumo.
Apesar da atividade física, dos cuidados médicos, o corpo, naturalmente, está envelhecendo. É bom que seja assim, mesmo porque só não envelhece quem morre antes. A alma, porém, que se encontrava cansada, moribunda até, hoje rejuvenesce com sonhos, aspirações novas e até com a ansiedade, o friozinho na barriga, próprio da adolescência, fase de muda, de transição que guarda, em iguais proporções, descobertas e decepções.
A inquietude agostiniana me faz lembrar quem sou eu, quais opções fiz durante a vida, quais metas já cumpri e quais faltam cumprir. Apesar do terno, da gravata, do cabelo alvinegro, por baixo ainda visto aquele meu uniforme de calça de tergal azul, camiseta, tênis e meias brancas, não muito elegantes, é verdade, mas uma verdadeira armadura de um guerreiro que acreditava que um mundo melhor era possível. Aquele menino, descobri, ainda vive e teima em não sair de mim.
Com este espírito, nasce um grupo de jovens que crê que a inquietude é vida, é sabor, é perfume, é ideal. O comodismo, por sua vez, é a morte sem honra, sem luta, sem crença, sem passagem, sem nada...
Inquietar-se é viver...
Goiânia, novembro de 2010
Leonardo Buissa
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